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quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Racionalismo IV

 

A astronomia e a geometrização do espaço

A teoria geocêntrica encontra-se nas obras de Aristóteles, posteriormente completadas por Ptolomeu (séc. II). Essa concepção, que perdurou durante toda a Antiguidade e a Idade Média, descreve um Universo finito, esférico, hierarquizado. O geocentrismo era de certo modo confirmado pelo senso comum: percebemos que a Terra é imóvel e que o Sol gira à sua volta. No próprio texto bíblico lê-se uma passagem em que Deus fez parar o Sol para que o povo eleito continuasse a luta enquanto ainda houvesse luz, o que sugere o Sol em movimento e a Terra fixa.

No século XVI, o monge Nicolau Copérnico (1473--1543) publicou Das revoluções dos corpos celestes, obra em que expõe o heliocentrismo. A obra foi praticamente ignorada até o início do século XVII, quando as teorias nela propostas ressurgiram com Galileu e Kepler. A luneta proporcionou a Galileu descobertas valiosas: para além das estrelas fixas, haveria ainda infindáveis mundos; a superfície da Lua é rugosa e irregular; o Sol tem manchas; e em torno de Júpiter existem quatro luas!

Como isso seria possível? Vimos que para os aristotélicos o Universo é finito, a Lua e o Sol são compostos de uma substância incorruptível e perfeita e Júpiter, engastado em uma esfera de cristal, não poderia ter luas que a perfurassem. Os fenômenos da física e da astronomia, antes explicados de acordo com as diferenças de natureza dos corpos perfeitos e imperfeitos, tomam-se homogêneos, já que não há mais como reconhecer a incorruptibilidade do mundo supralunar: desfaz-se, portanto, a diferença entre Terra e Céus.

Além disso, à consciência medieval de um "mundo fechado'' é contraposta a concepção moderna do "Universo infinito''. Essas concepções representaram um grande abalo, pois sempre houve uma mística do lugar. Para os antigos havia lugares privilegiados: Hades(Infernos); Olimpo (lugar dos deuses); o espaço sagrado do templo; o espaço público da ágora (praça pública); o gineceu (lugar da mulher).

O filósofo contemporâneo Alexandre Koyré, ao explicar as grandes mudanças que ocorreram no século XVII, diz que elas pareciam ser redutíveis a duas ações fundamentais e estreitamente relacionadas entre si, que ele caracterizou como a destruição do cosmo e a geometrização do espaço. Isso significa que o espaço heterogêneo dos lugares naturais tornou-se homogêneo e, despojado das qualidades, passou a ser quantitativo e, portanto, mensurável.

Podemos dizer que houve uma "democratização" dos espaços, pois todos tornam-se equivalentes, nenhum é superior ao outro. Negada a diferença entre a qualidade dos espaços celestes e terrestres, é possível admitir que as leis da física aplicam-se igualmente a todos os corpos do Universo.

 

(ARANHA, Maria Lúcia de A. e MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: Introdução a filosofia. 4. ed. São Paulo : Moderna, 2009. p. 367)

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