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quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Racionalismo III - Galileu Galilei


Galileu e as duas novas ciências


Em 1638, à revelia da Inquisição, foi publicada na Holanda a obra Discursos e demonstrações matemáticas sobre duas novas ciências, quando seu autor, Galileu, já cego, ainda se encontrava em prisão domiciliar. A partir desse último e importante trabalho, em que relaciona a hipótese capricorniana às leis da mecânica, ligando a ciência da astronomia à física, pode-se dizer que nascia a física moderna e uma nova concepção de astronomia.

A nova física

A produção teórica e experimental de Galileu só foi possível porque ele dispunha em sua oficina de recursos como plano inclinado, termômetro, luneta e relógio de água. Embora ainda fossem engenhocas um tanto primitivas, foram suficientes para mostrar o valor da observação, o que lhe permitiu abandonar a ciência especulativa e caminhar em direção à construção de uma ciência ativa.

Em oposição ao discurso formal, Galileu solicita o testemunho dos sentidos e o auxílio da técnica. Valoriza os experimentos e, ao contrário da física antiga, que buscava explicar o "porquê" do fenômeno pelas qualidades inerentes aos corpos, Galileu se interessa pelo "como", o que supõe a descrição quantitativa do fenômeno.

Por meio dessa descrição, distingue as qualidades secundárias (cor, odor, sabor) das qualidades primárias (forma, figura, número e movimento). As secundárias são subjetivas, enquanto as primárias são objetivas e passíveis de tratamento matemático, o que permite a Galileu assimilar o espaço físico ao espaço geométrico de Euclides.

Assim ele explica: 

A filosofia encontra-se escrita neste grande livro que continuamente se abre perante nossos olhos (isto é, o Universo), que não se pode compreender antes de entender a língua e conhecer os caracteres com os quais está escrito. Ele está escrito em língua matemática, os caracteres são triângulos, circunferências e outras figuras geométricas, sem cujos meios é impossível entender humanamente as palavras: sem eles nós vagamos perdidos dentro de um obscuro labirinto.

Quanto ao movimento, Galileu recusa a teoria aristotélica que distingue o movimento qualitativo do movimento quantitativo para considerar toda mudança quantitativa. Com isso, estabelece um corte entre as duas leituras do mundo, pois, onde Aristóteles via qualidades (corpos pesados ou leves), Galileu descobre relações e proporções.

Quando estuda Arquimedes e vê que as leis do equilfbrio dos corpos flutuantes são verdadeiras, destrói a teoria da "gravidade" e "leveza'' dos corpos. "Subir" e "descer" não atestam mais a ordem imutável do mundo, a essência escondida das coisas. Por exemplo: onde está a "gravidade" quando mergulhamos a madeira na água, uma vez que ela se torna "leve", a ponto de só poder mover-se para
baixo se for forçada? 

Ao explicar "como'' os corpos caem (e não "porque" caem), Galileu descobre a relação entre o tempo que um corpo leva para percorrer o plano inclinado e o espaço percorrido. Repetidas experiências confirmam as relações constantes e necessárias, donde decorre a lei da queda dos corpos, traduzida numa forma geométrica. Não estamos, porém, diante de uma ciência que parte apenas de dados empíricos. 

O procedimento de Galileu não é sempre indutivo, pois nem todas as vezes parte dos fatos para as leis. Em muitas ocasiões realiza "experiências mentais", pelas quais imagina situações impossíveis de verificar empiricamente e tira conclusões desses raciocínios. O que dá validade científica aos processos intelectuais é que os resultados devem ser submetidos à comprovação. 

Uma grande descoberta alcançada com esse método foi o princípio da inércia, segundo o qual qualquer objeto não submetido à ação de uma força permanece indefinidamente em repouso ou
em movimento uniforme. Ora, isso não acontece de jato, pois não é levado em conta o atrito, mas pode ser pensado como se ocorresse. 

Galileu é um dos expoentes dos novos tempos: a ciência nascente não resulta de simples desenvolvimento, mas surge de uma ruptura, da adoção de uma nova linguagem, fruto, portanto, de uma revolução científica. 

Embora Galileu se referisse à "filosofia'' (esse saber universal), já começava aí o processo de separação entre ciência e reflexão filosófica. Método, em grego, significa "caminho''. E esse caminho Galileu encontra na união da experimentação com a matemática.

(ARANHA, Maria Lúcia de A. e MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: Introdução a filosofia. 4. ed. São Paulo : Moderna, 2009. p. 365 )

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