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quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Ideologia VI

 

Habermas: ciência e ideologia

Os filósofos de orientação marxista reinterpretaram o conceito de ideologia a partir das novas circunstâncias
da vida contemporânea. Entre eles, Jürgen Habermas relacionou ciência, técnica e ideologia para compreender como a consciência tecnocrática do mundo atual impõe-se em nome da economia e da eficiência. Na sociedade industrial avançada dos últimos cem anos é possível identificar o caráter ideológico
de decisões de administradores e especialistas, ainda quando elas são justificadas em termos técnicos aparentemente neutros e não ideológicos.
 

Habermas distingue o agir instrumental da ação comunicativa:


1. O agir instrumental diz respeito ao mundo do trabalho. Nesse setor, aprendemos a desenvolver habilidades baseadas em regras segundo o que Habermas chama de "agir racional-com-respeito-a-fins", ou seja, um saber empírico que visa a objetivos específicos e bem definidos, orientados para o sucesso e a eficácia da ação. Desse modo, na economia, o valor é o dinheiro na política, o poder; na técnica, a eficácia.


2. O agir comunicativo refere-se ao mundo da vida e baseia-se nas regras da sociabilidade. Nesse âmbito, as tarefas e habilidades repousam principalmente sobre as regras morais da interação. Pela comunicaçãolivre de dominação, as pessoas procuram chegar ao consenso, ao entendimento mútuo (diálogo), expressando sentimentos, expectativas, concordância e discordância e visando ao bem-estar de cada um. Trata-se do modo que deveria reger as relações em esferas como família, comunidades, organizações artísticas, científicas, culturais etc. Onde está o problema? O problema surge quando a racionalidade instrunental estende-se para outros domínios da vida pessoal nos quais deveria prevalecer a ação comunicativa. Assim explica Barbara Freitag:

A perversão ou patologia instaura-se quando, em lugar do entendimento, da argumentação, do respeito mútuo, os membros passam a agir instrumental ou estrategicamente, usando uns aos outros para fins técnicos, econômicos ou políticos. Seria o caso das famOias proletárias, denunciadas por Marx, que, por razões materiais, usam os filhos como inst rumentos· para aumentar a renda familiar. Há denúncias de casos no Terceiro Mundo, em que pais vendem seus filhos e filhas, com a finalidade do lucro, ou admitem e favorecem a prostituição de suas filhas e a exploração de seus filhos com fins financeiros. Outra forma de substituição da ação comunicativa pela instrumental é o caso de casais em que um usa o outro para avançar na carreira, sem que haja, fora esse objetivo instrumental, laços afetivos ou de entendimento entre os dois.
(FREITAG, Barbara.ltinerários de Antígona: a questão da moralidade. Campinas: Papirus, 1992. p. 240).

A intromissão da ação instrumental em outros domínios da vida empobrece a subjetividade humana e as relações afetivas. Não se avaliam as ações por serem justas ou injust as, mas se são eficazes; ou seja, os valores éticos e políticos são tratados do ponto de vista técnico, adequando-se aos fins propostos pelo sistema. As ações orientam-se pela competição, pelo individualismo, pela busca do rendimento. Desse modo, a ciência e a técnica  transformam-se em instrumento ideológico. A saída, porém, não está em recusar a ciência e a técnica, mas em recuperar o agir comunicativo naqueles espaços em que ele foi "colonizado" pelo agir instrumental. Do ponto de vista político isso significa que, para Habermas, a emancipação não mais depende da revolução, como propôs Marx, mas do aperfeiçoamento dos instrumentos de participação dentro da sociedade, respeitando-se o Estado de direito.

(ARANHA, Maria Lúcia de A. e MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: Introdução a filosofia. 4. ed. São Paulo : Moderna, 2009. p.126-127)

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