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segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Para que Filosofia?

Ora, muitos fazem uma outra pergunta: afinal, para que Filosofia? É uma pergunta interessante. Não vemos nem ouvimos ninguém perguntar, por exemplo, para que matemática ou física? Para que geografia ou geologia? Para que história ou sociologia? Para que biologia ou psicologia? Para que astronomia ou química? Para que pintura, literatura, música ou dança? Mas todo mundo acha muito natural perguntar: Para que Filosofia? Em geral, essa pergunta costuma receber uma resposta irônica, conhecida dos estudantes de Filosofia: “A Filosofia é uma ciência com a qual e sem a qual o mundo permanece tal e qual”. Ou seja, a Filosofia não serve para nada. Por isso, se costuma chamar de “filósofo” alguém sempre distraído, com a cabeça no mundo da lua, pensando e dizendo coisas que ninguém entende e que são perfeitamente inúteis. Essa pergunta, “Para que Filosofia?”, tem a sua razão de ser. Em nossa cultura e em nossa sociedade, costumamos considerar que alguma coisa só tem o direito de existir se tiver alguma finalidade prática, muito visível e de utilidade imediata. Por isso, ninguém pergunta para que as ciências, pois todo mundo imagina ver a utilidade das ciências nos produtos da técnica, isto é, na aplicação científica à realidade. Todo mundo também imagina ver a utilidade das artes, tanto por causa da compra e venda das obras de arte, quanto porque nossa cultura vê os artistas como gênios que merecem ser valorizados para o elogio da humanidade.
Ninguém, todavia, consegue ver para que serviria a Filosofia, donde dizer-se: não serve para coisa alguma.
Parece, porém, que o senso comum não enxerga algo que os cientistas sabem muito bem. As ciências pretendem ser conhecimentos verdadeiros, obtidos graças a procedimentos rigorosos de pensamento; pretendem agir sobre a realidade, através de instrumentos e objetos técnicos; pretendem fazer progressos nos conhecimentos, corrigindo-os e aumentando-os. Ora, todas essas pretensões das ciências pressupõem que elas acreditam na existência da verdade, de procedimentos corretos para bem usar o pensamento, na tecnologia como aplicação prática de teorias, na racionalidade dos conhecimentos, porque podem ser corrigidos e aperfeiçoados.Verdade, pensamento, procedimentos especiais para conhecer fatos, relação entre teoria e prática, correção e acúmulo de saberes: tudo isso não é ciência, são questões filosóficas. O cientista parte delas como questões já respondidas, mas é a Filosofia quem as formula e busca respostas para elas. Assim, o trabalho das ciências pressupõe, como condição, o trabalho da Filosofia, mesmo que o cientista não seja filósofo. No entanto, como apenas os cientistas e filósofos sabem disso, o senso comum continua afirmando que a Filosofia não serve para nada. Para dar alguma utilidade à Filosofia, muitos consideram que, de fato, a Filosofia não serviria para nada, se “servir” fosse entendido como a possibilidade de fazer usos técnicos dos produtos filosóficos ou dar-lhes utilidade econômica, obtendo lucros com eles; consideram também que a Filosofia nada teria a ver com a ciência e a técnica. Para quem pensa dessa forma, o principal para a Filosofia não seriam os conhecimentos (que ficam por conta da ciência), nem as aplicações de teorias (que ficam por conta da tecnologia), mas o ensinamento moral ou ético. A Filosofia seria a arte do bem viver. Estudando as paixões e os vícios humanos, aliberdade e a vontade, analisando a capacidade de nossa razão para impor limites aos nossos desejos e paixões, ensinando-nos a viver de modo honesto e justo na companhia dos outros seres humanos, a Filosofia teria como finalidade ensinarnos
a virtude, que é o princípio do bem-viver. Essa definição da Filosofia, porém, não nos ajuda muito. De fato, mesmo para ser uma arte moral ou ética, ou uma arte do bem-viver, a Filosofia continua fazendo suas perguntas desconcertantes e embaraçosas: O que é o homem? O que é a vontade? O que é a paixão? O que é a razão? O que é o vício? O que é a virtude? O que é a liberdade? Como nos tornamos livres, racionais e virtuosos? Por que a liberdade e a virtude são valores para os seres humanos? O que é um valor? Por que avaliamos os sentimentos e as ações humanas? Assim, mesmo se disséssemos que o objeto da Filosofia não é o conhecimento da realidade, nem o conhecimento da nossa capacidade para conhecer, mesmo se disséssemos que o objeto da Filosofia é apenas a vida moral ou ética, ainda assim, o estilo filosófico e a atitude filosófica permaneceriam os mesmos, pois as perguntas filosóficas - o que, por que e como - permanecem.

Fonte: CHAUÍ, Marilene. Convite a Filosofia. São Paulo, Ed Ática, 2000

Atitude Filosófica


 A atitude filosófica
Edvard Much

Imaginemos, agora, alguém que tomasse uma decisão muito estranha e começasse a fazer perguntas inesperadas. Em vez de “que horas são?” ou “que dia é hoje?”, perguntasse: O que é o tempo? Em vez de dizer “está sonhando” ou “ficou maluca”, quisesse saber: O que é o sonho? A loucura? A razão? Se essa pessoa fosse substituindo sucessivamente suas perguntas, suas afirmações por outras: “Onde há fumaça, há fogo”, ou “não saia na chuva para não ficar resfriado”, por: O que é causa? O que é efeito?; “seja objetivo ”, ou “eles são muito subjetivos”, por: O que é a objetividade? O que é a subjetividade?; “Esta casa é mais bonita do que a outra”, por: O que é “mais”? O que é “menos”? O que é o belo? Em vez de gritar “mentiroso!”, questionasse: O que é a verdade? O que é o falso? O que é o erro? O que é a mentira? Quando existe verdade e por quê? Quando existe ilusão e por quê? Se, em vez de falar na subjetividade dos namorados, inquirisse: O que é o amor? O que é o desejo? O que são os sentimentos? Se, em lugar de discorrer tranqüilamente sobre “maior” e “menor” ou “claro” e “escuro”, resolvesse investigar: O que é a quantidade? O que é a qualidade? E se, em vez de afirmar que gosta de alguém porque possui as mesmas idéias, os mesmos gostos, as mesmas preferências e os mesmos valores, preferisse analisar: O que é um valor? O que é um valor moral? O que é um valor artístico? O que é a moral? O que é a vontade? O que é a liberdade? Alguém que tomasse essa decisão, estaria tomando distância da vida cotidiana e de si mesmo, teria passado a indagar o que são as crenças e os sentimentos que alimentam, silenciosamente, nossa existência. Ao tomar essa distância, estaria interrogando a si mesmo, desejando conhecer por que cremos no que cremos, por que sentimos o que sentimos e o que são nossas crenças e nossos sentimentos. Esse alguém estaria começando a adotar o que chamamos de atitude filosófica. Assim, uma primeira resposta à pergunta “O que é Filosofia?” poderia ser: A decisão de não aceitar como óbvias e evidentes as coisas, as idéias, os fatos, as situações, os valores, os comportamentos de nossa existência cotidiana; jamais aceitá-los sem antes havê-los investigado e compreendido. Perguntaram, certa vez, a um filósofo: “Para que Filosofia?”. E ele respondeu: “Para não darmos nossa aceitação imediata às coisas, sem maiores considerações”.

Fonte: CHAUÍ, Marilene. Convite a Filosofia. São Paulo, Ed. Ática, 2000



domingo, 8 de janeiro de 2012

Filosofia

A origem da Filosofia


 A palavra filosofia

A palavra filosofia é grega. É composta por duas outras: philo e sophia. Philo deriva-se de philia, que significa amizade, amor fraterno, respeito entre os iguais. Sophia quer dizer sabedoria e dela vem a palavra sophos, sábio. Filosofia significa, portanto, amizade pela sabedoria, amor e respeito pelo saber.
Filósofo: o que ama a sabedoria, tem amizade pelo saber, deseja saber.  Assim, filosofia indica um estado de espírito, o da pessoa que ama, isto é, deseja o conhecimento, o estima, o procura e o respeita.
Atribui-se ao filósofo grego Pitágoras de Samos (que viveu no século V antes de Cristo) a invenção da palavra filosofia. Pitágoras teria afirmado que a sabedoria plena e completa pertence aos deuses, mas que os homens podem desejá-la ou amá-la, tornando-se filósofos.
Dizia Pitágoras que três tipos de pessoas compareciam aos jogos olímpicos (a festa mais importante da Grécia): as que iam para comerciar durante os jogos, ali estando apenas para servir aos seus próprios interesses e sem preocupação com as disputas e os torneios; as que iam para competir, isto é, os atletas e artistas (pois, durante os jogos também havia competições artísticas: dança, poesia, música, teatro); e as que iam para contemplar os jogos e torneios, para avaliar o desempenho e julgar o valor dos que ali se apresentavam. Esse terceiro tipo de pessoa, dizia Pitágoras, é como o filósofo. Com isso, Pitágoras queria dizer que o filósofo não é movido por interesses comerciais - não coloca o saber como propriedade sua, como uma coisa para ser comprada e vendida no mercado; também não é movido pelo desejo de competir - não faz das idéias e dos conhecimentos uma habilidade para vencer competidores ou “atletas intelectuais”; mas é movido pelo desejo de observar, contemplar, julgar e avaliar as coisas, as ações, a vida: em resumo, pelo desejo de saber. A verdade não pertence a ninguém, ela é o que buscamos e que está diante de nós para ser contemplada e vista, se tivermos olhos (do espírito) para vê -la.

A Filosofia é grega

A Filosofia, entendida como aspiração ao conhecimento racional, lógico e sistemático da realidade natural e humana, da origem e causas do mundo e de suas transformações, da origem e causas das ações humanas e do próprio pensamento, é um fato tipicamente grego. Evidentemente, isso não quer dizer, de modo algum, que outros povos, tão antigos quanto os gregos, como os chineses, os hindus, os japoneses, os árabes, os persas, os hebreus, os africanos ou os índios da América não possuam sabedoria, pois possuíam e possuem. Também não quer dizer que todos esses povos não tivessem desenvolvido o pensamento e formas de conhecimento da Natureza e dos seres humanos, pois desenvolveram e desenvolvem. Quando se diz que a Filosofia é um fato grego, o que se quer dizer é que ela possui certas características, apresenta certas formas de pensar e de exprimir os pensamentos, estabelece certas concepções sobre o que sejam a realidade, o pensamento, a ação, as técnicas, que são completamente diferentes das características desenvolvidas por outros povos e outras culturas.

Filosofia Oriental

Vejamos um exemplo. Os chineses desenvolveram um pensamento muito profundo sobre a existência de coisas, seres e ações contrários ou opostos, que formam a realidade. Deram às oposições o nome de dois princípios: Yin e Yang. Yin é o princípio feminino passivo na Natureza, representado pela escuridão, o frio e a umidade; Yang é o princípio masculino ativo na Natureza, representado pela luz, o calor e o seco. Os dois princípios se combinam e formam todas as coisas, que, por isso, são feitas de contrários ou de oposições. O mundo, portanto, é feito da atividade masculina e da passividade feminina. Tomemos agora um filósofo grego, por exemplo, o próprio Pitágoras. Que diz ele? Que a Natureza é feita de um sistema de relações ou de proporções matemáticas produzidas a partir da unidade (o número 1 e o ponto), da oposição entre os números pares e ímpares, e da combinação entre as superfícies e os volumes (as figuras geométricas), de tal modo que essas proporções e combinações aparecem para nossos órgãos dos sentidos sob a forma de qualidades contrárias: quente-frio, seco-úmido, áspero-liso, claro-escuro, grandepequeno, doce-amargo, duro-mole, etc. Para Pitágoras, o pensamento alcança a realidade em sua estrutura matemática, enquanto nossos sentidos ou nossa percepção alcançam o modo como a estrutura matemática da Natureza aparece para nós, isto é, sob a forma de qualidades opostas.

Qual a diferença entre o pensamento chinês e o do filósofo grego? 

O pensamento chinês toma duas características (masculino e feminino) existentes em alguns seres (os animais e os humanos) e considera que o Universo inteiro é feito da oposição entre qualidades atribuídas a dois sexos diferentes, de sorte que o mundo é organizado pelo princípio da sexualidade animal ou humana. O pensamento de Pitágoras apanha a Natureza numa generalidade muito mais ampla do que a sexualidade própria a alguns seres da Natureza, e faz distinção entre as qualidades sensoriais que nos aparecem e a estrutura invisível da Natureza, que, para ele, é de tipo matemático e alcançada apenas pelo intelecto, ou inteligência. São diferenças desse tipo, além de muitas outras, que nos levam a dizer que existe uma sabedoria chinesa, uma sabedoria hindu, uma sabedoria dos índios, mas não há filosofia chinesa, filosofia hindu ou filosofia indígena.

Em Sintese

Em outras palavras, Filosofia é um modo de pensar e exprimir os pensamentos que surgiu especificamente com os gregos e que, por razões históricas e políticas, tornou-se, depois, o modo de pensar e de se exprimir predominante da chamada cultura européia ocidental da qual, em decorrência da colonização portuguesa do Brasil, nós também participamos. Através da Filosofia, os gregos instituíram para o Ocidente europeu as bases e os princípios fundamentais do que chamamos razão, racionalidade, ciência, ética, política, técnica, arte. Aliás, basta observarmos que palavras como lógica, técnica, ética, política, monarquia, anarquia, democracia, física, diálogo, biologia, cronologia, gênese, genealogia, cirurgia, ortopedia, pedagogia, farmácia, entre muitas outras, são palavras gregas, para percebermos a influência decisiva e predominante da Filosofia grega sobre a formação do pensamento e das instituições das sociedades européias ocidentais. É por isso que, em decorrência do predomínio da economia capitalista criada pelo Ocidente e que impõe um certo tipo de desenvolvimento das ciências e das técnicas, falamos, por exemplo, em “ocidentalização dos chineses”, “ocidentalização dos árabes”, etc. Com isso queremos significar que modos de pensar e de agir, criados no Ocidente pela Filosofia grega, foram incorporados até mesmo por culturas e sociedades muito diferentes daquela onde nasceu a Filosofia. É pelo mesmo motivo que falamos em “orientalismos” e “orientalistas” para indicar pessoas que buscam no budismo, no confucionismo, no Yin e no Yang, nos mantras, nas pirâmides, nas auras, nas pedras e cristais maneiras de pensar e de explicar a realidade, a Natureza, a vida e as ações humanas que não são próprias ou específicas do Ocidente, isto é, são diferentes do padrão de pensamento e de explicação que foram criados pelos gregos a partir do século VII antes de Cristo, época em que nasce a Filosofia.

Fonte: CHAUÍ, Marilene. Convite a Filosofia. São Paulo, Ed Ática, 2000.