Capítulo I
Ao iniciarmos
os estudos sobre
filosofia, iremos apresentar a seguir um breve panorama sobre a história
da filosofia, história essa que
influencia a história
humana decisivamente.
A história da filosofia pode ser
dividida em sete períodos:
1º. Filosofia Antiga: Que é dividida em mais quatro períodos,
Período pré-socrático ou Cosmológico, período socrático ou antropológico,
período sistemático e período helenístico ou Greco-romano. No período
pré-socrático ou cosmológico, há
uma preocupação em
compreender a origem do cosmo e os
fenômenos da natureza. Este período se estende do final do século VI aC. Até o final do século V a.C. No período
socrático ou antropológico, investigam-se as questões humanas, tais como a
ética, os comportamentos e conhecimentos humanos. Este período se estende do
final do século V a.C. Ao final do século IV a.C.
No período sistemático,
procura-se centrar principalmente a figura de Aristóteles por sistematizar tudo
o que fora pensado até então. Este período se estende do final do século IV
a.C. Até o final do século III a.C. No período helenístico ou greco-romano,
acompanham-se as transformações da cultura grega quando esta (Grécia) passa a
fazer parte do Império romano e, mais tarde, surge o cristianismo que
influencia no desenvolvimento posterior.
Este período se estende do final do século III a.C. Até o século VI
depois de Cristo.
2º. Filosofia Patrística: Na
filosofia patrística existe um
esforço para conciliar o cristianismo com o pensamento filosófico Grego-latino.
É um período onde a preocupação principal
é com as questões religiosas tais como a criação do mundo, o pecado
original, a ressurreição dos
mortos, avançando assim para
temas mais complexos de caráter moral como consciência, livre-arbítrio e as
relações entre fé e razão. Este período se estende do século I até o século VII
d.C.
3º. Filosofia medieval
ou escolástica: Preocupa-se com os
mesmos temas da patrística, foi
fortemente influenciada pelos pensamentos de Platão e Aristóteles, abrangendo também
pensadores árabes, judeus
e europeus. Este período se estende entre o século VIII e o século XIV.
Platão e Aristóteles
4º. Filosofia da Renascença: É caracterizada pela recuperação de obras de autores grego-latinos
que julgavam estarem perdidas. Entre estas obras estavam alguns escritos de
Platão e Aristóteles. São recuperadas
preocupações políticas e
da centralidade do
homem no pensamento filosófico,
o foco deixa de ser centrado em Deus e passa ser centrado no homem. Este
período se estende entre o século XIV e o século XVI.
5º. Filosofia Moderna:
A filosofia moderna valoriza
principalmente a reflexão como ponto de partida do raciocínio filosófico. Na
filosofia moderna, tudo o que desejamos conhecer pode ser transformado numa
idéia clara, formulada pelo intelecto. A percepção de realidade, possíveis de
serem conhecidas e transformadas pelos seres humanos dá origem à ciência. Este
período se estende do século XVII até o século XVIII.
6º. Filosofia da Ilustração ou Iluminismo: Tem como objetivo levar
aos seres humanos a “luz” da razão
humana que é manifestada em todas
as formas de conhecimento racional.
Sendo assim, através da razão o ser humano atingiria liberdade, as luzes
da razão seriam capazes de promoverem o aprimoramento em várias partes do
ser humano, entre elas,
a moral, social, técnica, política,
artística, ou seja,
promoveriam a civilização.
Este período se
estende de meados do século
XVIII ao começo do século XIX.
7º. Filosofia Contemporânea: A
filosofia contemporânea volta-se para o homem vivendo em sociedade. Devemos
lembrar-nos de uma sociedade que nos últimos 200 anos
sofreu uma série de mudanças radicais como por exemplo a ascensão da
burguesia ao poder, aos
avanços técnico-científicos, duas Guerras Mundiais, pelas ameaças de extinção da vida na Terra
etc. Este período se estende de meados
do século XIX aos dias atuais.
Linha do Tempo – Filosofia Antiga
Capitulo II
A ORIGEM DA FILOSOFIA
1.
INTRODUÇÃO
A palavra filosofia
A palavra filosofia é
grega. É composta por duas outras: philo e sophia. Philo deriva-se
de philia, que significa amizade, amor fraterno, respeito entre os
iguais. Sophia quer dizer sabedoria e dela vem a palavra sophos,
sábio. Filosofia significa, portanto, amizade pela sabedoria, amor e
respeito pelo saber. Filósofo: o que ama a sabedoria, tem amizade pelo
saber, deseja saber.
Assim, filosofia indica um estado
de espírito, o da pessoa que ama, isto é, deseja o conhecimento, o estima, o
procura e o respeita. Atribui-se ao filósofo grego Pitágoras de Samos (que
viveu no século V antes de Cristo) a invenção da palavra filosofia.
Pitágoras teria afirmado que a sabedoria plena e completa pertence aos deuses,
mas que os homens podem desejá-la ou amá-la, tornando-se filósofos.
Dizia Pitágoras que três tipos de
pessoas compareciam aos jogos olímpicos (afesta mais importante da Grécia): as
que iam para comerciar durante os jogos, ali estando apenas para servir aos
seus próprios interesses e sem preocupação com as disputas e os torneios; as
que iam para competir, isto é, os atletas e artistas (pois, durante os jogos
também havia competições artísticas: dança, poesia, música, teatro); e as que
iam para contemplar os jogos e torneios, para avaliar o desempenho e julgar o
valor dos que ali se apresentavam. Esse terceiro tipo de pessoa, dizia
Pitágoras, é como o filósofo.
Com isso, Pitágoras queria dizer
que o filósofo não é movido por interesses comerciais - não coloca o saber como
propriedade sua, como uma coisa para ser comprada e vendida no mercado; também
não é movido pelo desejo de competir - não faz das idéias e dos conhecimentos
uma habilidade para vencer competidores ou “atletas intelectuais”; mas é movido
pelo desejo de observar, contemplar, julgar e avaliar as coisas, as ações, a
vida: em resumo, pelo desejo de saber. A verdade não pertence a ninguém, ela é
o que buscamos e que está diante de nós para ser contemplada e vista, se
tivermos olhos (do espírito) para vê-la.
2.
DESENVOLVIMENTO
A Filosofia é grega
A Filosofia, entendida como
aspiração ao conhecimento racional, lógico e sistemático da realidade natural e
humana, da origem e causas do mundo e de suas transformações, da origem e
causas das ações humanas e do próprio pensamento, é um fato tipicamente grego.
Evidentemente, isso não quer
dizer, de modo algum, que outros povos, tão antigos quanto os gregos, como os
chineses, os hindus, os japoneses, os árabes, os persas, os hebreus, os
africanos ou os índios da América não possuam sabedoria, pois possuíam e
possuem. Também não quer dizer que todos esses povos não tivessem desenvolvido
o pensamento e formas de conhecimento da Natureza e dos seres humanos, pois
desenvolveram e desenvolvem.
Quando se diz que a Filosofia é
um fato grego, o que se quer dizer é que ela possui certas características,
apresenta certas formas de pensar e de exprimir os pensamentos, estabelece
certas concepções sobre o que sejam a realidade, o pensamento, a ação, as
técnicas, que são completamente diferentes das características desenvolvidas
por outros povos e outras culturas. Vejamos um exemplo. Os chineses
desenvolveram um pensamento muito profundo sobre a existência de coisas, seres
e ações contrários ou opostos, que formam a realidade. Deram às oposições o
nome de dois princípios: Yin e Yang. Yin é o princípio feminino passivo na
Natureza, representado pela escuridão, o frio e a umidade; Yang é o princípio
masculino ativo na Natureza, representado pela luz, o calor e o seco. Os dois
princípios se combinam e formam todas as coisas, que, por isso, são feitas de
contrários ou de oposições.
O mundo, portanto, é feito da
atividade masculina e da passividade feminina. Tomemos agora um filósofo grego,
por exemplo, o próprio Pitágoras. Que diz ele? Que a Natureza é feita de um
sistema de relações ou de proporções matemáticas produzidas a partir da unidade
(o número 1 e o ponto), da oposição entre os números pares e ímpares, e da
combinação entre as superfícies e os volumes (as figuras geométricas), de tal
modo que essas proporções e combinações aparecem para nossos órgãos dos
sentidos sob a forma dequalidades contrárias: quente-frio, seco-úmido,
áspero-liso, claro-escuro, grande pequeno, doce-amargo, duro-mole, etc. Para
Pitágoras, o pensamento alcança a realidade em sua estrutura matemática,
enquanto nossos sentidos ou nossa percepção alcançam o modo como a estrutura
matemática da Natureza aparece para nós, isto é, sob a forma de qualidades
opostas.
Qual a diferença entre o
pensamento chinês e o do filósofo grego? O pensamento chinês toma duas
características (masculino e feminino) existentes em alguns seres (os animais e
os humanos) e considera que o Universo inteiro éfeito da oposição entre
qualidades atribuídas a dois sexos diferentes, de sorte que o mundo é
organizado pelo princípio da sexualidade animal ou humana. O pensamento de
Pitágoras apanha a Natureza numa generalidade muito mais ampla do que a
sexualidade própria a alguns seres da Natureza, e faz distinção entre as
qualidades sensoriais que nos aparecem e a estrutura invisível da Natureza,
que, para ele, é de tipo matemático e alcançada apenas pelo intelecto, ou
inteligência. São diferenças desse tipo, além de muitas outras, que nos levam a
dizer que existe uma sabedoria chinesa, uma sabedoria hindu, uma sabedoria dos
índios, mas não há filosofia chinesa, filosofia hindu ou filosofia indígena. Em
outras palavras, Filosofia é um modo de pensar e exprimir os pensamentos que
surgiu especificamente com os gregos e que, por razões históricas e políticas,
tornou-se, depois, o modo de pensar e de se exprimir predominante da chamada
cultura européia ocidental da qual, em decorrência da colonização portuguesa do
Brasil, nós também participamos.
Através da Filosofia, os gregos
instituíram para o Ocidente europeu as bases e os princípios fundamentais do
que chamamos razão, racionalidade, ciência, ética, política, técnica, arte.
Aliás, basta observarmos que palavras como lógica, técnica, ética, política,
monarquia, anarquia, democracia, física, diálogo, biologia, cronologia, gênese,
genealogia, cirurgia, ortopedia, pedagogia, farmácia, entre muitas outras, são
palavras gregas, para percebermos a influência decisiva e predominante da
Filosofia grega sobre a formação do pensamento e das instituições das
sociedades européias ocidentais. É por isso que, em decorrência do predomínio
da economia capitalista criada pelo Ocidente e que impõe um certo tipo de
desenvolvimento das ciências e das técnicas, falamos, por exemplo, em
“ocidentalização dos chineses”, “ocidentalização dos árabes”, etc. Com isso queremos
significar que modos de pensar e de agir, criados no Ocidente pela Filosofia
grega, foram incorporados até mesmo por culturas e sociedades muito diferentes
daquela onde nasceu a Filosofia.
É pelo mesmo motivo que falamos
em “orientalismos” e “orientalistas” para indicar pessoas que buscam no
budismo, no confucionismo, no Yin e no Yang, nos mantras, nas pirâmides, nas
auras, nas pedras e cristais maneiras de pensar e de explicar a realidade, a
Natureza, a vida e as ações humanas que não são próprias ou específicas do
Ocidente, isto é, são diferentes do padrão de pensamento e de explicação que
foram criados pelos gregos a partir do século VII antes de Cristo, época em que
nasce a Filosofia.
3.
CONTEXTUALIZAÇÃO
O legado da Filosofia grega
para o Ocidente europeu
Por causa da colonização européia
das Américas, nós também fazemos parte - ainda que de modo inferiorizado e
colonizado - do Ocidente europeu e assim também somos herdeiros do legado que a
Filosofia grega deixou para o pensamento ocidental europeu. Desse legado,
podemos destacar como principais contribuições as seguintes: A ideia de que a
Natureza opera obedecendo a leis e princípios necessários e universais, isto é,
os mesmos em toda a parte e em todos os tempos. Assim, por exemplo, graças aos
gregos, no século XVII da nossa era, o filósofo inglês Isaac Newton estabeleceu
a lei da gravitação universal de todos os corpos da Natureza. A lei da
gravitação afirma que todo corpo, quando sofre a ação de um outro, produz uma
reação igual e contrária, que pode ser calculada usando como elementos do
cálculo a massa do corpo afetado, a velocidade e o tempo com que a ação e a
reação se deram.
Essa lei é necessária,
isto é, nenhum corpo do Universo escapa dela e pode funcionar de outra maneira
que não desta; e esta lei é universal , isto é, válida para todos os
corpos em todos os tempos e lugares. Um outro exemplo: as leis geométricas do
triângulo ou do círculo, conforme demonstraram os filósofos gregos, são
universais e necessárias, isto é, seja em Tóquio em 1993, em Copenhague em
1970, em Lisboa em 1810, em São Paulo em 1792, em Moçambique em 1661, ou em
Nova York em 1975, as leis do triângulo ou do círculo são necessariamente as
mesmas. A idéia de que as leis necessárias e universais da Natureza podem ser
plenamente conhecidas pelo nosso pensamento, isto é, não são conhecimentos
misteriosos e secretos, que precisariam ser revelados por divindades, mas são
conhecimentos que o pensamento humano, por sua própria força e capacidade, pode
alcançar.
A idéia de que nosso pensamento
também opera obedecendo a leis, regras e normas universais e necessárias,
segundo as quais podemos distinguir o verdadeiro do falso. Em outras palavras,
a idéia de que o nosso pensamento é lógico ou segue leis lógicas de
funcionamento. Nosso pensamento diferencia uma afirmação de uma negação porque,
na afirmação, atribuímos alguma coisa a outra coisa (quando afirmamos que
“Sócrates é um ser humano ”, atribuímos humanidade a Sócrates) e, na negação,
retiramos alguma coisa de outra (quando dizemos “este caderno não é verde”,
estamos retirando do caderno a cor verde).
Nosso pensamento distingue quando
uma afirmação é verdadeira ou falsa. Se alguém apresentar o seguinte
raciocínio: “Todos os homens são mortais. Sócrates é homem. Logo, Sócrates é mortal
”, diremos que a afirmação “Sócrates é mortal” é verdadeira, porque foi
concluída de outras afirmações que já sabemos serem verdadeiras. A idéia de que
as práticas humanas, isto é, a ação moral, a política, as técnicas e as artes
dependem da vontade livre, da deliberação e da discussão, da nossa escolha
passional (ou emocional) ou racional, de nossas preferências, segundo certos
valores e padrões, que foram estabelecidos pelos próprios seres humanos e não
por imposições misteriosas e incompreensíveis, que lhes teriam sido feitas por
forças secretas, invisíveis, sejam elas divinas ou naturais, e impossíveis de
serem conhecidas. A idéia de que os acontecimentos naturais e humanos são
necessários, porque obedecem a leis naturais ou da natureza humana, mas também
podem ser contingentes ou acidentais, quando dependem das escolhas e
deliberações dos homens, em condições determinadas.
Dessa forma, uma pedra cai porque
seu peso, por uma lei natural, exige que ela caia natural e necessariamente; um
ser humano anda porque as leis anatômicas e fisiológicas que regem o seu corpo
fazem com que ele tenha os meios necessários para a locomoção. No entanto, se
uma pedra, ao cair, atingir a cabeça de um passante, esse acontecimento é
contingente ou acidental. Por quê? Porque, se o passante não estivesse andando
por ali naquela hora, a pedra não o atingiria. Assim, a queda da pedra é
necessária e o andar de um ser humano é necessário, mas que uma pedra caia
sobre minha cabeça quando ando é inteiramente contingente ou acidental.
Todavia, é muito diferente a situação das ações humanas. É verdade que é por
uma necessidade natural ou por uma lei da Natureza que ando. Mas é por
deliberação voluntária que ando para ir à escola em vez de andar para ir ao
cinema, por exemplo. É verdade que é por uma lei necessária da Natureza que os
corpos pesados caem, mas é por uma deliberação humana e por uma escolha
voluntária que fabrico uma bomba, a coloco num avião e a faço despencar sobre
Hiroshima.
Um dos legados mais importantes
da Filosofia grega é, portanto, essa diferença entre o necessário e o
contingente, pois ela nos permite evitar o fatalismo - “tudo é necessário,
temos que nos conformar e nos resignar ” -, mas também evitar a ilusão de que
podemos tudo quanto quisermos, se alguma força extranatural ou sobrenatural nos
ajudar, pois a Natureza segue leis necessárias que podemos conhecer e nem tudo
é possível por mais que o queiramos. A idéia de que os seres humanos, por
Natureza, aspiram ao conhecimento
verdadeiro, à felicidade, à justiça, isto é, que os seres humanos não
vivem nem agem cegamente, mas criam valores pelo quais dão sentido às suas
vidas e às suas ações.
- ATIVIDADE
A Filosofia surge, portanto,
quando alguns gregos, admirados e espantados com a realidade, insatisfeitos com
as explicações que a tradição lhes dera, começaram a fazer perguntas e buscar
respostas para elas, demonstrando que o mundo e os seres humanos, os
acontecimentos e as coisas da Natureza, os acontecimentos e as ações humanas
podem ser conhecidos pela razão humana, e que a própria razão é capaz de
conhecer-se a si mesma.
Em suma, a Filosofia surge quando
se descobriu que a verdade do mundo e dos humanos não era algo secreto e
misterioso, que precisasse ser revelado por divindades a alguns escolhidos, mas
que, ao contrário, podia ser conhecida por todos, através da razão, que é a
mesma em todos; quando se descobriu que tal conhecimento depende do uso correto
da razão ou do pensamento e que, além da verdade poder ser conhecida por todos,
podia, pelo mesmo motivo, ser ensinada ou transmitida a todos.
- O aluno deve buscar desenvolver um texto a partir da observação do mundo, trazer e discutir na próxima aula.
CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. SP ,Ed ática,2000
Fatores que desencadearam o surgimento da filosofia
Segundo (MORAES,
José Geraldo Vinci
de – Caminhos
das Civilizações da História
Integrada: Geral e Brasil: São Paulo: Atual, 1990, p. 52.) uma série de fatores
contribuíram para o surgimento da filosofia na Grécia Antiga, e ainda seguindo
o que Moraes escreveu em seu livro, segue abaixo os principais fatores desse
surgimento.
•
As viagens marítimas – que
permitiram aos gregos descobrir que
os locais que os mitos diziam habitados
por deuses, titãs
e heróis eram, na verdade, habitados por outros seres
humanos; e que as regiões dos mares que os mitos diziam habitadas por
monstros e seres
fabulosos não possuíam
nem monstros nem seres fabulosos. As viagens produziram o
desencantamento ou a desmistificação do mundo, que passou, assim, a exigir uma
explicação sobre sua origem, explicação que o mito já não podia oferecer;
•
A invenção do calendário – que e uma forma de calcular o tempo segundo
as estações do ano, as horas do dia, os fatos importantes que se repetem,
revelando, com isso, uma capacidade de abstração nova, ou uma percepção do
tempo como algo natural e não como um poder divino incompreensível;
•
A invenção da moeda – que permitiu uma forma de
troca que não se realiza através das coisas concretas ou dos objetos
concretos trocados por semelhança, mas uma troca abstrata, uma troca feita pelo calculo do valor
semelhante das coisas diferentes, revelando, portanto, uma nova capacidade de
abstração e de generalização;
•
O surgimento da
vida urbana –
com predomínio do
comércio e do
artesanato, dando
desenvolvimento a técnicas de fabricação e de troca, e diminuindo o prestígio
das famílias da aristocracia proprietária de terras, por quem e para quem os
mitos foram criados;
•
A invenção da escrita alfabética –
com a criação do calendário e a
da moeda revela-se o crescimento da capacidade de abstração e de generalização,
uma vez que a escrita alfabética ou fonética, diferentemente de outras escritas
– como, por exemplo, os hieróglifos dos
egípcios ou os ideogramas dos chineses;
• A invenção da política – O
surgimento de um espaço público que faz aparecer um novo tipo de palavra ou de
discurso, diferente daquele que era proferido pelo mito. A política estimula um
pensamento e um discurso que não procuram ser formulados por seitas secretas
dos iniciados em mistérios sagrados, mas que procuram, ao contrário, ser
públicos, ensinados, transmitidos, comunicados e discutidos.
PARA DESENVOLVER O OLHAR ATENTO
SOBRE O MUNDO
“Nada pode surgir do nada”,
dizia Parmênides. “e nada que
existe pode se transformar em nada.” Todos ou quase todos,
conhecemos a seguinte frase: “eu
só acredito vendo”. Porém, para
Parmênides ele não acreditava nem quando via.
Ele acreditava que os sentidos forneciam uma visão enganosa do mundo;
que é uma visão que não está de acordo com o que nos diz a visão. Parmênides
acreditava que como filósofo, ele tinha o dever de descobrir todas as formas de
‘ilusão dos sentidos’.Essa forte crença
na razão humana é chamada de
racionalismo. Um racionalista é aquele que tem grande
confiança ma razão humana enquanto fonte de conhecimento do mundo.
Adaptado de: GAARDER, N Jostein,
O mundo de Sofia. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
Capitulo III
CONSCIÊNCIA MÍTICA
1. INTRODUÇÃO
Da consciência mítica a
consciência filosófica
A filosofia nasceu realizando uma
transformação gradual sobre os antigos mitos gregos ou nasceu por uma ruptura
radical com os mitos?
Mas, o que é um mito?
Um mito é uma narrativa sobre a origem de alguma coisa (origem dos astros, da
Terra, dos homens, das plantas, dos animais, do fogo, da água, dos ventos, do
bem e do mal, da saúde e da doença, da morte, dos instrumentos de trabalho, das
raças, das guerras, do poder, etc.).
A palavra mito vem do grego, e deriva de dois verbos: do verbo (contar, narrar,
falar alguma coisa para os outros) e do verbo (conversar, contar, anunciar,
nomear, designar). Para os gregos, mito é um discurso pronunciado ou proferido
para ouvintes que recebem como verdadeira a narrativa, porque confiam naquele
que narra; é uma narrativa feita em público, baseada, portanto, na autoridade e
confiabilidade da pessoa do narrador. E essa autoridade vem do fato de que ele
ou testemunhou diretamente o que está narrando ou recebeu a narrativa de quem
testemunhou os acontecimentos narrados.
Quem narra o mito? O poeta-rapsodo. Quem é ele? Por que tem autoridade?
Acredita-se que o poeta é um escolhido dos deuses, que lhe mostram os
acontecimentos passados e permitem que ele veja a origem de todos os seres e de
todas as coisas para que possa transmiti-la aos ouvintes. Sua palavra – o mito
– é sagrada porque vem de uma revelação divina. O mito é, pois, incontestável e
inquestionável.
Como o mito narra a origem do
mundo e de tudo o que nele existe?
2.
ALEGORIA
DA CAVERNA
SÓCRATES – Figura-te agora o
estado da natureza humana, em relação à ciência e à ignorância, sob a forma
alegórica que passo a fazer. Imagina os homens encerrados em morada subterrânea
e cavernosa que dá entrada livre à luz em toda extensão. Aí, desde a infância,
têm os homens o pescoço e as pernas presos de modo que permanecem imóveis e só
vêem os objetos que lhes estão diante. Presos pelas cadeias, não podem voltar o
rosto. Atrás deles, a certa distância e altura, um fogo cuja luz os alumia;
entre o fogo e os cativos imagina um caminho escarpado, ao longo do qual um
pequeno muro parecido com os tabiques que os pelotiqueiros põem entre si e os
espectadores para ocultar-lhes as molas dos bonecos maravilhosos que lhes
exibem.
GLAUCO - Imagino tudo isso.
SÓCRATES - Supõe ainda homens que
passam ao longo deste muro, com figuras e objetos que se elevam acima dele,
figuras de homens e animais de toda a espécie, talhados em pedra ou madeira.
Entre os que carregam tais objetos, uns se entretêm em conversa, outros guardam
em silêncio.
GLAUCO - Similar quadro e não
menos singulares cativos!
SÓCRATES - Pois são nossa imagem
perfeita. Mas, dize-me: assim colocados, poderão ver de si mesmos e de seus
companheiros algo mais que as sombras projetadas, à claridade do fogo, na
parede que lhes fica fronteira?
GLAUCO - Não, uma vez que são
forçados a ter imóveis a cabeça durante toda a vida.
SÓCRATES - E dos objetos que lhes
ficam por detrás, poderão ver outra coisa que não as sombras?
GLAUCO - Não.
SÓCRATES - Ora, supondo-se que
pudessem conversar, não te parece que, ao falar das sombras que vêem, lhes
dariam os nomes que elas representam?
GLAUCO - Sem dúvida.
SÓRATES - E, se, no fundo da
caverna, um eco lhes repetisse as palavras dos que passam, não julgariam certo
que os sons fossem articulados pelas sombras dos objetos?
GLAUCO - Claro que sim.
SÓCRATES - Em suma, não creriam
que houvesse nada de real e verdadeiro fora das figuras que desfilaram.
GLAUCO - Necessariamente.
SÓCRATES - Vejamos agora o que
aconteceria, se se livrassem a um tempo das cadeias e do erro em que laboravam.
Imaginemos um destes cativos desatado, obrigado a levantar-se de repente, a
volver a cabeça, a andar, a olhar firmemente para a luz. Não poderia fazer tudo
isso sem grande pena; a luz, sobre ser-lhe dolorosa, o deslumbraria,
impedindo-lhe de discernir os objetos cuja sombra antes via.
Que te parece agora que ele
responderia a quem lhe dissesse que até então só havia visto fantasmas, porém
que agora, mais perto da realidade e voltado para objetos mais reais, via com
mais perfeição? Supõe agora que, apontando-lhe alguém as figuras que lhe
desfilavam ante os olhos, o obrigasse a dizer o que eram. Não te parece que, na
sua grande confusão, se persuadiria de que o que antes via era mais real e
verdadeiro que os objetos ora contemplados?
GLAUCO - Sem dúvida nenhuma.
SÓCRATES - Obrigado a fitar o
fogo, não desviaria os olhos doloridos para as sombras que poderia ver sem dor?
Não as consideraria realmente mais visíveis que os objetos ora mostrados?
GLAUCO - Certamente.
SÓCRATES - Se o tirassem depois
dali, fazendo-o subir pelo caminho áspero e escarpado, para só o liberar quando
estivesse lá fora, à plena luz do sol, não é de crer que daria gritos
lamentosos e brados de cólera? Chegando à luz do dia, olhos deslumbrados pelo
esplendor ambiente, ser-lhe ia possível discernir os objetos que o comum dos
homens tem por serem reais?
GLAUCO - A princípio nada veria.
SÓCRATES - Precisaria de algum
tempo para se afazer à claridade da região superior. Primeiramente, só
discerniria bem as sombras, depois, as imagens dos homens e outros seres
refletidos nas águas; finalmente erguendo os olhos para a lua e as estrelas,
contemplaria mais facilmente os astros da noite que o pleno resplendor do dia.
GLAUCO - Não há dúvida.
SÓCRATES - Mas, ao cabo de tudo,
estaria, decerto, em estado de ver o próprio sol, primeiro refletido na água e
nos outros objetos, depois visto em si mesmo e no seu próprio lugar, tal qual
é.
GLAUCO - Fora de dúvida.
SÓCRATES - Refletindo depois
sobre a natureza deste astro, compreenderia que é o que produz as estações e o
ano, o que tudo governa no mundo visível e, de certo modo, a causa de tudo o
que ele e seus companheiros viam na caverna.
|
GLAUCO - É claro que gradualmente
chegaria a todas essas conclusões.
SÓCRATES - Recordando-se então de
sua primeira morada, de seus companheiros de escravidão e da idéia que lá se
tinha da sabedoria, não se daria os parabéns pela mudança sofrida, lamentando
ao mesmo tempo a sorte dos que lá ficaram?
GLAUCO - Evidentemente.
SÓCRATES - Se na caverna houvesse
elogios, honras e recompensas para quem melhor e mais prontamente distinguisse
a sombra dos objetos, que se recordasse com mais precisão dos que precediam,
seguiam ou marchavam juntos, sendo, por isso mesmo, o mais hábil em lhes
predizer a aparição, cuidas que o homem de que falamos tivesse inveja dos que
no cativeiro eram os mais poderosos e honrados? Não preferiria mil vezes, como
o herói de Homero, levar a vida de um pobre lavrador e sofrer tudo no mundo a
voltar às primeiras ilusões e viver a vida que antes vivia?
GLAUCO - Não há dúvida de que
suportaria toda a espécie de sofrimentos de preferência a viver da maneira antiga.
SÓCRATES - Atenção ainda para
este ponto. Supõe que nosso homem volte ainda para a caverna e vá assentar-se
em seu primitivo lugar. Nesta passagem súbita da pura luz à obscuridade, não
lhe ficariam os olhos como submersos em trevas?
GLAUCO - Certamente.
SÓCRATES - Se, enquanto tivesse a
vista confusa -- porque bastante tempo se passaria antes que os olhos se
afizessem de novo à obscuridade -- tivesse ele de dar opinião sobre as sombras
e a este respeito entrasse em discussão com os companheiros ainda presos em
cadeias, não é certo que os faria rir? Não lhe diriam que, por ter subido à
região superior, cegara, que não valera a pena o esforço, e que assim, se
alguém quisesse fazer com eles o mesmo e dar-lhes a liberdade, mereceria ser
agarrado e morto?
GLAUCO - Por certo que o fariam.
SÓCRATES - Pois agora, meu caro
GLAUCO, é só aplicar com toda a exatidão esta imagem da caverna a tudo o que
antes havíamos dito. O antro subterrâneo é o mundo visível. O fogo que o
ilumina é a luz do sol. O cativo que sobe à região superior e a contempla é a
alma que se eleva ao mundo inteligível. Ou, antes, já que o queres saber, é
este, pelo menos, o meu modo de pensar, que só Deus sabe se é verdadeiro.
Quanto à mim, a coisa é como passo a dizer-te. Nos extremos limites do mundo
inteligível está a idéia do bem, a qual só com muito esforço se pode conhecer,
mas que, conhecida, se impõe à razão como causa universal de tudo o que é belo
e bom, criadora da luz e do sol no mundo visível, autora da inteligência e da
verdade no mundo invisível, e sobre a qual, por isso mesmo, cumpre ter os olhos
fixos para agir com sabedoria nos negócios particulares e públicos.
Bibliografia: "A
República" de Platão - Ed. Atena
Bibliografia
ARANHA, M. L. de Arruda;
MARTINS, P. M. H. Filosofando: Introdução à Filosofia. São Paulo: Moderna, 2009
"A República" de Platão - Ed. Atena
CHAUÍ, Marilena. Convite à
filosofia. SP, Ed ática,2000
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